O governo estuda retomar a compra de energia na Venezuela para abastecimento do Estado de Roraima com o intuito de resolver o déficit energético do Estado. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), é prioridade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fortalecer as parcerias com os vizinhos, principalmente com o bloco de países que têm a possibilidade de exportar ou importar energia elétrica.
De acordo com a pasta, o Brasil pretende realizar estudos para avaliar a pertinência e a possibilidade de retomar o intercâmbio de energia elétrica entre Venezuela e Roraima, “como uma medida potencial de redução de custos e de emissões de gases de efeito estufa, avaliada a disponibilidade das infraestruturas de conexão internacional e resguardada a segurança energética”.
Para além das questões ideológicas, especialistas avaliam que a interligação com a Venezuela traria modicidade tarifária, fortaleceria o intercâmbio energético no cone Sul, retomaria as relações bilaterais e ajudaria no combate ao aquecimento global com uma energia limpa e renovável.
Por outro lado, além da instabilidade política do regime de Nicolás Maduro, a infraestrutura elétrica da Venezuela não recebe investimentos há anos e está depreciada. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), em 2019, a Venezuela gerou mais de 85 milhões de megawatts-hora de eletricidade, uma queda de mais de 19% em relação ao ano anterior.
Segundo o órgão, as quedas recentes na geração são resultado de falhas técnicas que afetam tanto as usinas hidrelétricas quanto as termelétricas. Essas questões incluem a incapacidade do governo de reparar ou manter instalações vitais para a geração de energia elétrica.
Até o começo de 2019, a maior parte do atendimento aos consumidores locais era feita por meio da transferência de energia do Linhão de Guri, que é a interconexão do complexo hidrelétrico de Guri-Macágua com a cidade de Boa Vista. Essa foi a solução acordada em 2001 pelos então presidentes Fernando Henrique Cardoso e Hugo Chávez, já que Roraima é ainda o único Estado brasileiro que está fora do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Entretanto, nos primeiros meses de gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o fornecimento foi interrompido por conta de uma série de apagões por falta de manutenção nas máquinas e a interrupção dos pagamentos por parte do Brasil devido ao embargo norte-americano à Venezuela.
Com o corte, Roraima passou a ser suprido por cinco usinas termelétricas a óleo diesel e gás natural, que além de serem mais caras são mais poluentes. Hoje, mais de 50% da energia do Estado é suprida pela usina Termelétrica Jaguatirica II (140 MW), da Eneva. Sem gasodutos, é preciso fazer uma megaoperação envolvendo mais de 80 carretas que levam diariamente gás natural em tanques criogênicos do campo de Azulão, na Bacia do Amazonas, até a usina.
O pesquisador sênior do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel), Roberto Brandão, lembra que o corte de fornecimento de energia da Venezuela foi um grande prejuízo aos consumidores, já que o sistema elétrico de Roraima não estava preparado para abrir mão daquela energia.
“A retomada das importações da Venezuela interessa ao Brasil para reduzir os custos da energia em Roraima. Para que isso ocorra é preciso normalizar tanto a rotina de pagamentos como a manutenção dos equipamentos de transmissão”, explica.
Se der certo, a energia da Venezuela pode baixar a conta de luz dos brasileiros, pois o diesel usado nas usinas é subsidiado pela Conta de Consumo de Combustível (CCC), uma espécie de fundo setorial embutido na tarifa de todos os consumidores, que em 2022 custou quase R$ 1,7 bilhão.
O Linhão de Tucuruí, que liga Manaus a Boa Vista, seria a solução para colocar Roraima no SIN e é promessa de diversos governos, mas a magnitude e o desafio deste trajeto podem ser medidos pelos quase 720 quilômetros entre as duas cidades. Além disso, o empreendimento esbarra na questão indígena, já que parte do trajeto corta a reserva Waimiri Atroari.
O vice-presidente da Comissão de Integração Energética Regional (CIER), Celso Torino, avalia que a interligação energética entre Brasil e Venezuela, assim como entre os demais países vizinhos, deva ser tratada com um olhar de longo prazo considerando a otimização econômica, os interesses nas relações bilaterais e o combate ao aquecimento global com uma energia limpa.
“A interligação com a Venezuela e a linha nacional de 500KV que fará a conexão Boa Vista – Manaus não são mutuamente exclusivas; pelo contrário, a criação de ‘pontes elétricas’ entre países estando o Brasil todo interligado internamente, permitirá a otimização econômica e energética regional. Neste caso específico, a busca pela eliminação da queima diária de óleo diesel para atender a energia do estado de Roraima favorecerá o meio ambiente e os bolsos dos consumidores de todo o país que hoje têm que subsidiar essa energia cara das termelétricas à óleo diesel”, analisa Torino.
Fonte: Valor Econômico
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