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Economia interessada no meio ambiente

A cada novo empreendimento, o debate sobre meio ambiente e desenvolvimento econômico vem à tona e os ânimos ficam acirrados quando, por exemplo, é prevista a derrubada de árvores. Por outro lado, quando o projeto precisa mudar ou ser adaptado em razão da manutenção do verde, também há protesto. Não faz muito tempo que Porto Alegre esteve no centro de duas disputas entre ambientalistas, governantes e empresários. Na orla do Guaíba, manifestantes expuseram o desejo de manter a vegetação do local se pendurando em árvores. Já no Hospital de Clínicas, muitos se posicionaram contra a forma de expansão da estrutura sobre a área de jardim.

Essa briga está longe de acabar, mas contradizendo uma ideia antiga de que cuidados com o meio ambiente significam aumento de custos ou impedem o desenvolvimento, setores produtivos têm mostrado que é possível, inclusive, reduzir investimentos utilizando ferramentas sustentáveis.

Ao limitar a quantidade de insumos, desperdícios, tempo de realização de projeto e mão de obra, empresários somam o retorno financeiro a um valor difícil de mensurar. “O impacto da sustentabilidade se transforma em ativos intangíveis. A sociedade vem se organizando e se preocupando com o ambiental e começa a ver os recursos finitos que nós temos. O empreendedor é muito pragmático e, se não olhar para isso, daqui a pouco pode ficar fora de um determinado mercado”, afirma o professor da Escola Politécnica da PUCRS, Eduardo Giugliani.

A preocupação com o meio ambiente no setor rural passa pela cultura orgânica, mas vai muito além. Produtores têm adaptado técnicas e desenvolvido manejos que, não necessariamente, trazem incremento de investimentos. Alguns, inclusive, proporcionam economia, até mesmo de espaço utilizado de plantio. Observando o desenvolvimento atual, a secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (Sema), Marjorie Kauffmann, entende que os setores produtivos estão cada vez mais conscientes em relação à preservação dos recursos naturais. Um dos motivos é o interesse econômico, até porque se trata de um dos pré-requisitos para a exportação de determinados produtos. O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo, acrescenta que as empresas com intenção de evoluir no segmento de atuação precisam internalizar o conceito de sustentabilidade: “A inclinação é de que esse paradigma esteja cada vez mais constituído na mentalidade empresarial.”

Há ainda um longo caminho a ser percorrido das ferramentas mais tradicionais com impacto ambiental para as menos poluentes e com preocupação sustentável. “Esses projetos têm que ser verdadeiros e não uma maquiagem verde para melhorar a pontuação na bolsa e para vender mais”, declara o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda. Para ele, a melhor escolha é a transparência. “Dizer que está trabalhando e ainda não está no ideal, mas caminhando para isso”, aponta. Ele destaca que esse percurso deveria incluir a preocupação com o tripé que envolve sustentabilidade ambiental, práticas de governança e responsabilidade social, que constituem a sigla ESG. Não adianta, conforme o ambientalista, ter uma produção ecológica e, ao mesmo tempo, não cuidar da relação com os colaboradores.

Alternativas também podem ser vistas no urbanismo. Adaptando projetos e planejando as cidades com o foco na manutenção de áreas verdes é possível trazer vários benefícios. Uma das vantagens de reduzir a camada asfáltica, por exemplo, é a absorção de água, vento e calor. Isso contribui para o equilíbrio do microclima, diminuindo o aquecimento local e a intensidade dos efeitos climáticos extremos.

No mês em que se comemora o meio ambiente, setores da economia mostram como conciliar a preocupação com a sustentabilidade e o desenvolvimento e assim indicar como criar soluções. Isso permite continuar com bom posicionamento no mercado e ainda colaborar para o futuro.

Na indústria, meta é mostrar ao mercado preocupação com sustentabilidade

No Brasil, entidades representativas da indústria estão preocupadas em traçar metas e se colocar no mercado internacional como preocupadas com a sustentabilidade. O plano passa por um incentivo à transição energética, redução das emissões de carbono, conservação florestal e práticas propostas pela economia circular, como otimização das cadeias produtivas por meio da reciclagem, reutilização, manutenção e redesenho de produtos. O coordenador do Conselho de Meio Ambiente (Codema) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Newton Battastini, lembra que, desde o final da década de 1990, o segmento vem aperfeiçoando os processos. Algumas práticas já estão consolidadas, como a produção mais limpa, que trabalha com a ideia de eficiência no uso de matérias-primas, água e energia pela não geração, minimização ou reciclagem de resíduos gerados.

Outras soluções são o reúso de água e efluentes, logística reversa, inventário de emissões e planos de descarbonização. “Podemos afirmar que a indústria é a pioneira na aplicação de ferramentas de gestão ambiental, sendo cada vez mais modernas e aplicadas amplamente no Rio Grande do Sul”, declara. Para ele, a popularização do termo ESG (Environmental, Social and Governance, na tradução livre do inglês, Ambiental, Social e Governança), em especial no universo financeiro, tornou mais fácil a compreensão de que as boas práticas nos pilares de governança corporativa, ambiental e social proporcionam, a médio e a longo prazo, ganhos econômicos. “Não é coincidência que o mercado investidor compreende que a avaliação desses quesitos representa segurança para investimentos. Não há processo produtivo sem recursos naturais, humanos e financeiros. Então cuidar deles é garantir a viabilidade da produção.”

Para alguns, leis são consideradas restritivas

Em relação ao uso eficiente da água na indústria, Battastini traz o caso do segmento químico nacional, que apresentou de 2006 a 2018 uma redução de aproximadamente 34% em relação ao volume captado por tonelada de produto e queda de 25% de efluentes lançados por tonelada produzida. “Além disso, o investimento em eficiência energética resulta em uma economia considerável e a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), que impactam diretamente nas mudanças climáticas”, ressalta.

O setor de vidro teve recuo de 100 toneladas por ano de emissão de gases, em razão da melhora nos índices de reciclagem. Já o segmento de cimento tem emissão 11% menor que a média mundial do setor, segundo a Fiergs, para citar alguns casos no Brasil. “A redução do consumo de água, da geração de efluentes ou reúso do mesmo, o reaproveitamento de materiais e a eficiência energética trazem ganhos econômicos que tornam a indústria mais competitiva”, continua Battastini.

Contudo, o representante da Fiergs alerta para algumas limitações. Segundo ele, o Estado tem uma das legislações mais restritivas do país: “A indústria, desde seu projeto para instalação, já tem na sua concepção uma série de exigências ambientais que são incorporadas”. A maior preocupação do setor, conforme ele, está na burocracia e na insegurança jurídica, que abre espaço para interpretações e falta de clareza na aplicação das normas. “É o maior entrave que temos. Cumprir a legislação é inerente a qualquer compartimento de convivência social, sendo uma das premissas do setor industrial”, afirma. Sobre isso, as soluções apresentadas pela Sema para agilizar os processos não incluem mudança de leis, mas sim modernização na gestão, pessoal e tecnologia dos sistemas.

Setor calçadista passou por transformação nos anos 2000

Um dos maiores segmentos industriais do Rio Grande do Sul, o setor de calçados avalia a importância da legislação atual. O gestor de Projetos da Abicalçados, Cristian Schlindwein, lembra que o setor coureiro e calçadista era apontado como um dos vilões para o meio ambiente. Porém, a partir da década de 1990 e, com mais força, a partir dos anos 2000, ocorreu uma transformação relacionada ao cumprimento da legislação ambiental. “Hoje, entre os principais países produtores de calçados no mundo, temos o Brasil despontando com práticas mais responsáveis e sustentáveis, não somente na questão ambiental, mas em toda a abrangência de ESG”, observa.

Uma pesquisa da entidade, publicada este ano, mostrou que mais de 95% das empresas do setor trabalham com a destinação ambientalmente correta dos seus resíduos produtivos, recolocando-os na produção, reciclando ou até mesmo os transformando em fertilizantes ou material de construção. Mais de 60% utilizam energia proveniente de fontes renováveis e mais de 70% da produção de calçados no Brasil vem de empresas que realizam inventário de emissões de gases. “Além do impacto positivo para o meio ambiente, a empresa atrai atenção de visibilidade por estar preocupada com o futuro. Isso se reverte em interesse comercial e novas oportunidades de negócio”, afirma Schlindwein.

Pensando em todos esses temas e práticas, o diretor de uma empresa familiar com mais de 30 anos no ramo de injeção de peças em Porto Alegre, Gustavo Eggers, elenca algumas práticas sustentáveis. Circuito fechado, com a água circulando no mesmo sistema, sem que nada seja despejado no meio ambiente, é um deles. Reaproveitamento de quase 100% do refugo plástico é outra escolha da Bioplast. “A produção é alinhada, assim os desperdícios nas trocas de matérias-primas e cores são evitadas”, aponta. Tudo isso permite reduzir em cerca de um terço o desperdício. Dessa forma, ele atesta que é possível produzir de forma ecologicamente correta, sem que isso incremente o investimento.

Medidas podem favorecer empreendimentos

Caracterizado como um dos setores que mais impactam o meio ambiente pelo uso de recursos, geração de resíduos ou desmatamento, a construção civil também pode se beneficiar de algumas práticas. O coordenador do Fórum da Inovação na Construção Civil, Bernardo Etges, explica que, além das medidas que são obrigatórias por lei, há outras opcionais e que podem favorecer os empreendimentos.

A primeira está relacionada ao prazo. “Quanto mais tempo uma obra dura, mais material, tempo de pessoal e recursos estão sendo alocados. Tudo isso, de alguma forma, cria um impacto”, diz. Por isso, ele defende metodologias de produção enxuta: “O foco é reduzir os desperdícios e tornar a obra mais rápida e eficiente. No mercado de incorporação, obras que aplicam a metodologia têm conseguido reduzir o prazo em 30%, até 40%”.

Investimento em planejamento e treinamento de equipe, além do cuidado com a cadeia produtiva, auxiliam na adoção de ferramentas que geram economia. A preocupação em minimizar os resíduos já repercute no orçamento, pois a manutenção do lixo tem custos diários, tanto de remoção quanto contratação de aterro.

O presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do RS (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, vai pela mesma linha. “Vejo muitas empresas aplicando esses conceitos e isso vem a melhorar a qualidade de vida e, futuramente, os custos de manutenção do condomínio”, observa, lembrando a importância dos prédios energeticamente mais eficientes e com uso racional da água. Ele comemora os incentivos públicos aos empreendimentos que utilizam painéis fotovoltaicos, vidros duplos, lâmpadas LED e que fazem o reúso de água da chuva e de águas cinzas.

Em Porto Alegre, um exemplo de construção em que o projeto foi pensado para implementar essas técnicas foi a sede da Fecomércio, na Zona Norte. No edifício, há iluminação natural e placas fotovoltaicas, mas o mais impactante é o telhado verde com 10 mil metros quadrados. Nele são cultivadas plantas sem usar terra. O objetivo foi reduzir o gasto com energia, captar e permitir o reúso de água potável. Além disso, contribui para a drenagem urbana, uma vez que a chuva que iria para as ruas e poderia provocar inundações é reaproveitada. Fora isso, também funciona como isolante acústico, reduz a poluição na cidade, favorece a biodiversidade, atraindo borboletas e passarinhos. Os cuidados com os recursos naturais começaram já na construção do prédio com pedras in natura, recolhimento de resíduos, controle de óleos e solventes e sistema de captação de energia solar.

Áreas verdes são responsáveis por manter o equilíbrio do microclima na cidade

Responsáveis por manter o equilíbrio do microclima das cidades e reduzir a intensidade do efeito estufa, as áreas verdes ainda colaboram para o conforto e qualidade de vida das pessoas. O professor da Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Ufrgs, Eber Pires Marzulo, destaca que a vegetação permite sombreamento, relação maior com a luz natural, menos automóveis e mais circulação de pessoas.

Todo planejamento, portanto, deve considerar isso, proporcionar equilíbrio e priorizar que a flora seja variada, estimulando a existência também da fauna. “Isso é importante para o deslocamento de sementes, o que permite que a vegetação se expanda. As ruas funcionam como corredores para o deslocamento dos animais silvestres até ilhas, que seriam os parques urbanos. Um exemplo que nós temos é o Parque da Redenção”, diz Marzulo.

O coordenador do curso de Engenharia Civil e da Pesquisa, Extensão e Internacionalização da Faculdade Estácio do Rio Grande do Sul, André Guedes, acrescenta que a presença de árvores ajuda a diminuir a poluição do ar e reduzir o ruído. Ele lembra o caso de Seattle, nos Estados Unidos, que conseguiu conciliar o progresso com preservação e ampliação de áreas verdes, ganhando o título de Cidade Esmeralda. “O fundamental nesses casos é compreender o planejamento da arborização urbana. Nada é impossível de ser realizado, mas há limites a serem parametrizados pelo Plano Diretor”, observa.

Segundo Guedes, soluções podem ser estudadas e contempladas, como o tratamento de esgoto a ser realizado no próprio prédio, o que minimiza o impacto ambiental. O tráfego de carros, quando previsto, pode ser reduzido pelo incentivo a outros meios de transporte que facilitem a circulação e que tenham menos ruídos sonoros.

Eber Marzulo traz o exemplo de um recurso utilizado por Milão, na Itália, que fez de canais um meio de transporte de quem faz remo, por exemplo. No caso de Porto Alegre, ele observa que algo semelhante poderia ser feito na avenida Ipiranga, no Arroio Dilúvio, limpando o fluxo d’água, permitindo o uso e também ampliando pistas para bicicletas ou para o transporte coletivo. O professor ainda aborda a escolha dos materiais para os prédios, com predominância de concreto e vidro, que não absorvem o calor. Além disso, ele também destaca a dinâmica de produção rápida e com unidades caras, o que não atende a uma demanda de moradias para a população de classe econômica mais baixa e de produção de trabalho para esses setores.

Avanços nas práticas nas últimas décadas

A água utilizada no Brasil é destinada, principalmente, para irrigação de lavouras (49,8%), segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Porém, o agronegócio é responsável por outros impactos como a poluição e a degradação do solo e do ar, mesmo que a transição para culturas mais ecológicas já seja realidade em alguns pontos.

Assim como as consequências diretas, as externalidades da forma de produção também precisam ser consideradas, na opinião do engenheiro agrônomo, assistente técnico de Manejo de Recursos Naturais da Emater-RS, Ari Uriartt. “Os produtos utilizados podem trazer riscos à saúde, o que representa mais pacientes na rede pública, por exemplo”, afirma ele, lembrando ainda que não é possível comparar uma produção orgânica, voltada para o mercado local, com a produção de grãos destinados à exportação. “Não é proporcional”, observa.

A forma de plantar e criar animais utilizando recursos locais, como a compostagem, torna os orgânicos menos dependentes de insumos importados, atrelados à economia internacional e ao valor do dólar. No RS há 3.668 unidades cadastradas no Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (SisOrg), órgão administrado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Dentre as alternativas aos fertilizantes tradicionais, está o pó de rocha, que serve para dar estrutura ao solo e é ecologicamente mais correto e muito mais barato. Os bioinsumos para controlar pragas também estão entre as estratégias sustentáveis que não significam altos custos. Como práticas ecológicas, Uriartt destaca ainda a utilização de sementes de polinização aberta, sementes não transgênicas, milho crioulo e adubação verde.

Danos com a agricultura intensiva

O professor da Ufrgs, mestre em Sociologia Rural e doutor em Sociologia, Jalcione Almeida, analisa que, nas últimas décadas, houve avanços de práticas na agricultura, em termos gerais, com a implementação de técnicas desenvolvidas e disseminadas por instituições de pesquisa. O Plantio Direto, segundo ele, é uma ferramenta já consolidada. É uma técnica de semeadura que propicia a melhoria da qualidade de solo, água e ar e não demanda muito investimento.

Almeida entende que se deva avançar mais para diminuir os efeitos de uma agricultura intensiva. “Os efeitos têm se mostrado desastrosos para o meio ambiente. Os altos custos dessa agricultura têm limitado muito os avanços de determinadas áreas. Os níveis de exigência e de produção são muitos altos e têm todo um efeito ambiental, mas também efeitos do ponto de vista econômico e social”, conta, lembrando conflitos nessa área. “Fomos muito motivados por um slogan ‘Brasil celeiro do mundo’. Muito dinheiro foi colocado nisso e ainda apresentamos problemas. Somos um dos maiores produtores, mas um terço da população ainda passa fome”, aponta.

Segundo ele, pesquisa e conhecimento não faltam e o que o Brasil necessita é de vontade política e incentivos para uma produção mais preocupada com o meio ambiente. “De modo geral, em tese, se poupam recursos, desde a terra até outros recursos, como insumos e máquinas, mas precisa ter uma série de outras coisas, como mão de obra no campo”, afirma.

 

Fonte: Correio do Povo

Leia a notícia original em: https://www.correiodopovo.com.br/especial/economia-interessada-no-meio-ambiente-1.1052837

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