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Não há um caminho único para universalizar o saneamento, defendem especialistas em encontro

Mesmo com o aumento significativo do investimento em saneamento registrado nos últimos anos, o Brasil ainda não alcançou o montante anual necessário para se cumprir as metas de universalização previstas no marco legal do saneamento, de atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta de esgoto até 2033. Para se aproximar desse porcentual, especialistas indicam que será preciso não apenas ampliar a injeção de recursos como buscar a melhor estratégia para cada região, de acordo a suas especificidades. “É quase como se tivéssemos 5,5 mil possibilidades, que precisam ser consideradas em busca de arranjos para o cumprimento desse objetivo”, ilustra Antonio Costa Lima Júnior, assessor jurídico da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), fazendo referência à quantidade de municípios brasileiros.

No primeiro encontro da série Diálogos Estratégicos Aesbe, realizado semana passada na sede da Cedae, no Rio de Janeiro, especialistas debateram sobre o avanço desses investimentos diante do atual cenário macroeconômico. No evento, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, destacou a importância da disciplina fiscal na evolução do ciclo de corte da taxa de juros básica, a Selic, tornando investimentos produtivos mais atrativos e as condições de financiamento mais vantajosas. Ela ainda lembrou que a taxa de investimento no total da economia fechou o segundo trimestre do ano em 17,2% do PIB, 1,1 ponto percentual abaixo da registrada no mesmo período de 2022.  A projeção do Boletim Macro é de que o investimento feche 2023 em queda de 0,9%.

Em sua análise, Silvia também defendeu a importância de ganhos de produtividade para se ampliar o potencial de crescimento da economia brasileira como um todo, citando estudos do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, o que implica buscar uma operação mais eficiente em todas as atividades. “Vemos hoje uma tendência de aumento do papel do Estado, que precisa ser acompanhada de avaliação do impacto e da eficácia na alocação de recursos. Devido às suas externalidades positivas – com impactos como os ambientais e para a saúde da população em geral, que se reverte em melhor desempenho escolar e laboral – o saneamento é de fato uma para que precisa de apoio. Mas não devemos nos esquecer que, em geral, temos a tendência de buscar atalhos em busca de crescimento, quando temos restrições fiscais e precisamos cuidar da correta alocação de recursos.”

No caso do saneamento, Luiz Firmino Martins Pereira, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (FGV Ceri), destacou que de 1989 para hoje a média de investimento no setor praticamente duplicou – de R$ 8 bilhões para R$ 15 bilhões, de acordo a levantamento do Ceri. Para dar conta da universalização, porém, esse montante ainda teria que ao menos triplicar. “O bom do novo marco é exatamente o fato de estabelecer uma meta até 2033, ainda que difícil de ser cumprida. Cada companhia precisa fazer seu planejamento de como conseguirá arcar com esses investimentos, o que não implica necessariamente uma concessão para a iniciativa privada. Muitas empresas públicas seguirão operando seu sistema, pois têm suas contas equilibradas e estão com suas obras em curso”, afirmou Pereira, citando modelos de parceria público-privada fora do modelo de concessão tradicional. “O importante, nesse caso, é que os reguladores capturem eventuais ganhos de eficiência por conta dessa subdelegação, para que sejam revertidos ao usuário”, afirmou.

“O que precisamos, para o momento, é de segurança jurídica para finalização das modelagens que nos permitirão atingir as metas, bem como melhoria no acesso a recursos públicos, tendo em vista o grande volume de investimentos que são necessários”, afirmou Lima.  No evento, o assessor da Aesbe apresentou a série de estudos Universalizar, que a Aesbe tem desenvolvido para ampliar o debate e a informação às companhias sobre temas que vão da evolução dos investimentos aos diferentes arranjos público-privados possíveis para viabilizar a ampliação da cobertura conforme previsto no marco. Esses estudos também foram temas de webinares e de um encontro realizado na semana anterior em São Paulo. Um dos tópicos tratados nesse evento na capital paulista foi a universalização dos serviços de água e esgoto nas áreas rurais. Nesse caso, o documento aponta à necessidade de criação de arranjos institucionais que se adequem às realidades locais e regionais, contando que se trata de um processo muito diferente do observado nas regiões urbanas do país.

Segundo o trabalho, “o enfrentamento dos desafios socioeconômicos e tecnológicos requer ações concretas e focadas, visando garantir o bem-estar e a qualidade de vida das populações mais vulneráveis, incluindo essas populações na construção de modelos”.

Dados levantados pela Aesbe a partir do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram um elevado déficit no acesso a água e esgoto para a população rural do País. O pior cenário é o da região Norte, onde há um déficit de 99,7% no esgotamento sanitário, e de apenas 19,8% no atendimento de água.

Nas regiões rurais brasileiras, 70,4% da população não têm abastecimento de água e 92,3% não está ligada a rede de esgoto. Os especialistas indicando, entretanto, que esses dados devem ser olhados com cautela, pois há muitas fossas sépticas, poços artesianos nas zonas rurais – o que não reduz o diagnóstico de grande carência nos serviços de saneamento dessas regiões.

No documento são listadas algumas ações para as prestadoras de serviços de esgoto estaduais que poderiam ajudar na redução desses elevados déficits. Entre elas: – estabelecer uma área de saneamento rural na estrutura organizacional, mesmo quando não houver obrigação contratual de prestar esses serviços; – incentivar iniciativas para um amplo levantamento da situação do saneamento rural, com apoio das prefeituras e comunidades rurais; – e observar, do ponto de vista tecnológico, que as soluções para os ambientes rurais são, na maioria das vezes, simples, portanto de natureza muito diferente do cotidiano dos técnicos e engenheiros das companhias.

No evento do Rio de Janeiro, Pereira listou alguns casos que avalia como virtuosos nesse caminho de busca pela melhor equação entre público e privado. “O caso do Rio me parece emblemático, com o modelo adotado pela Cedae em que a companhia permaneceu com a captação, tratamento e entrega para a distribuição de água, deixando os serviços de distribuição, coleta e cobrança para ser feito pelo privado, além do tratamento de esgoto. Foi um arranjo que a manteve no cuidado dos mananciais de água e que, no aspecto financeiro, permitiu o equilíbrio de suas contas.”

Reforma tributária

Outro tema de destaque em ambos os eventos promovidos pela Aesbe foi o impacto da reforma tributária dos impostos indiretos no setor. No encontro do Rio, Lima destacou o estudo da série universalizar que traça cenários tendo em conta uma mudança da atual alíquota média, de 9,25%, para um IVA de 27%. O estudo indica que esse IVA implicaria um impacto de até 46% na capacidade de investimento das companhias estaduais – percentual considerado alto, especialmente levando em conta a restrição dessas companhias em seu limite de alavancagem, tendo estas que depender muito mais de recursos próprios para realizar seus investimentos.

No evento de São Paulo, em painel moderado por Claudio Conceição, editor-executivo da revista e do Blog da Conjuntura Econômica, Charles Schramm, gerente-executivo da FGV Projetos, e André Machado, coordenador de Relações Institucionais do Instituto Trata Brasil, destacaram que o impacto da reforma tributária também é preocupação entre as operadoras privadas e outros atores do setor. Parta eles, se for aprovada tal como foi levada ao Senado, a reforma tributária trará impactos importantes para o setor que implicarão aumento de tarifa e redução do investimento, tornando os desafios e o equilíbrio financeiro dessa atividade mais desafiadores. Tal como sinalizaram, as áreas que ainda carecem de cobertura demandam mais recursos, e além disso ainda é preciso equacionar a situação das famílias mais pobres para as quais é preciso garantir esse direito dentro de sua capacidade financeira.

 

Fonte: Blog Conjuntura Econômnica

Leia a notícia original aqui.

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