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RESPONSABILIDADE-SOCIOAMBIENTAL

Dia do Protetor de Florestas: a jornada de riscos e devoção de quem protege a natureza

A agente ambiental Gracicleide dos Santos Braga cumpria uma missão nas águas do Parque Nacional do Cabo Orange, no Amapá, quando infratores ambientais dispararam tiros contra ela e sua equipe. Escapou por pouco. No Maranhão, o analista ambiental Roberto Cabral descia de um helicóptero sobre a terra indígena Araribóia, no município de Arame, quando foi alvejado no braço por um tiro de espingarda de madeireiros que saqueavam a floresta.

Os episódios vividos pelos fiscais do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) ilustram uma rotina de riscos, exaustão e, muitas vezes, precariedade que costuma marcar o cotidiano de quem faz da proteção ambiental o seu propósito na vida.

Neste 17 de julho, quando é comemorado o Dia do Protetor de Florestas, agentes do meio ambiente de todo o país vivem um misto de alívio e expectativa. Depois de quatro anos de esvaziamento promovido pela gestão de Jair Bolsonaro, um período marcado pela letargia operacional dos órgãos federais e a perseguição ferrenha aos servidores, o momento é visto como de retomada.

— Sobrevivemos, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas. O momento é de reorganização e de valorização do agente ambiental. As pessoas são o principal ativo na defesa do interesse público — diz Jair Schmitt, diretor de proteção ambiental do Ibama, que está no órgão desde 2002.

O dia a dia não é fácil. Com menos da metade do quadro funcional que tinha uma década atrás, o Ibama cuida de todo o território nacional com apenas 2.920 servidores, incluindo funções administrativas. Em campo, efetivamente, são menos de 700 funcionários. Do total do quadro, um terço são mulheres. Entre elas, está Gracicleide dos Santos Braga.

Agente ambiental desde 2005, Gracicleide está baseada em Macapá. Já passou por várias unidades estaduais e recebeu convite para trabalhar em Brasília, mas achou importante ficar na Amazônia, onde vive com três filhos. Mais do que lidar com o crime organizado que saqueia a floresta, ela encara o desafio de ser a minoria em uma profissão marcada pela presença masculina.

— A gente sabe que o universo da fiscalização é masculino. Então, é um desafio diário, mas fico feliz por ter encontrado um ambiente de acolhimento aqui — diz.

Hoje, as quatro divisões técnicas da superintendência do Ibama no Amapá são comandadas por mulheres.

Paraense, nascida na Ilha de Marajó, Gracicleide diz que a profissão impõe custos pessoais.

— A mulher tem uma situação diferente nesta profissão. A maioria vive sozinha, porque o cargo exige muito deslocamento e dedicação. Os homens, de maneira geral, não sabem lidar com isso. Acham que apenas as mulheres devem se adaptar às suas rotinas, não há compreensão — diz ela. — Acontece que a minha vida toda sempre foi trabalhar pela proteção ambiental. Seguirei assim.

Essa entrega constante ao ofício já colocou o analista ambiental Roberto Cabral em situações inesperadas. Ele procurava uma casa para comprar em Brasília, onde vive, quando visitou uma propriedade e viu que a dona tinha um pássaro em situação irregular.

— Era um papagaio, não estava legalizado. Não podia me omitir. Não comprei a casa, multei a dona e recolhi o pássaro — conta.

Em outro imóvel, Cabral se deparou com dois jabutis no quintal da casa. Perguntou sobre os animais:

— A dona ironizou e disse que eu só não podia contar para o Ibama. Mostrei que eu era servidor, multei e apreendi os animais. O corretor de imóveis serviu como testemunha. Vejo que a fiscalização é necessária para conter o crime ambiental, mas é a educação que poderá vencer o crime. A gente precisa mudar como a sociedade vê a natureza.

Aumento da fiscalização

No cenário nacional, os resultados da fiscalização mais efetiva começam a aparecer. No primeiro semestre deste ano, 2.086 propriedades rurais na Amazônia tiveram parte de suas áreas embargadas, devido a desmatamento ilegal — aumento de 111% sobre a média do mesmo intervalo dos últimos quatro anos.

— Temos atuado de forma mais intensiva e continuaremos assim. Há um planejamento em curso e vamos persegui-lo — diz André Lima, secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente.

É esse trabalho vigilante o que estimula agentes como Gracicleide, que já começou a construir a próxima geração de fiscais ambientais. Seu filho Jorge, de 17 anos, disse que pretende seguir a trilha da mãe.

— Ele quer entrar nesse universo da carreira ambiental. Fico feliz, sei que ele tem orgulho do que faço — conta a agente.

Indígenas na luta contra queimadas

Todos os anos, durante os seis meses mais secos que marcam a “temporada do fogo” na Amazônia, indígenas de centenas de aldeias, protetores históricos de suas terras, assumem uma função vital em tempos de queimadas criminosas: eles se tornam brigadistas contra os incêndios. Não se trata apenas de uma participação coadjuvante. Os indígenas formam hoje, em todo o Brasil, o maior contingente de brigadistas temporários do Ibama.

Em 2023, o Ibama aumentou em 17% o número de brigadistas, na comparação com o efetivo contratado no ano passado: são 2.101 agentes temporários em diversas partes do país. Desse total, mais da metade (52%) são indígenas.

Na terra Tenharim Marmelos, no Sul do Amazonas, entre os municípios de Humaitá e Manicoré, já é tradição a contratação de uma equipe de brigadistas indígenas para atuar no combate ao fogo. Uma base do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), divisão do Ibama, está localizada dentro da reserva demarcada, onde os agentes temporários são treinados, agrupados e deslocados para os pontos de queimada.

Com a contratação dos indígenas, os órgãos federais oferecem uma fonte de renda extra aos agentes temporários e, em contrapartida, passam a contar com o conhecimento das regiões e as habilidades dos povos originários da floresta para protegê-las das queimadas.

A parceria dos agentes ambientais com os indígenas também é prática intensa quando se trata da fiscalização de povos mais isolados, como acontece nos trabalhos realizados na região do Vale do Javari, no Amazonas.

Expedições de monitoramento e fiscalização da área realizadas por agentes ambientais e fiscais da Fundação Nacional do Índio (Funai) costumam ser feitas com o apoio fundamental de uma equipe formada pelos próprios indígenas. Era o que fazia, por exemplo, o indigenista Bruno Pereira, que foi assassinado no Vale do Javari, ao lado do jornalista inglês Dom Phillips, em junho do ano passado.

Inteligência a serviço da proteção

A realização de operações constantes dentro da floresta, no combate a madeireiros, garimpeiros e grileiros de terras, além do avanço ilegal do gado e da soja, continua a ser crucial para coibir as práticas proibidas. Mas é fora da mata que muitos agentes ambientais têm atuado no monitoramento constante dessas ações — sem o qual o trabalho de fiscalização se tornaria impossível.

A prioridade do Ministério do Meio Ambiente, hoje, é integrar uma série de bases de dados já disponíveis, mas que, seja por falta de interesse político ou estratégico, não foram consolidadas pela gestão passada.

Secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente, André Lima conta que o trabalho está em fase de estruturação para automatizar aquilo que, hoje, é feito “na unha” pelos servidores.

Bases de informação como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) começaram a ser integradas aos dados georreferenciados das unidades de conservação ambiental e terras indígenas. A esse cruzamento, serão somados os alertas de desmatamento e de incêndios, além de informações do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), que integra o controle da origem da madeira.

O que se pretende, no fim do dia, é ter uma fotografia detalhada do que vem acontecendo em campo, mostrando os principais indicativos de irregularidades que ocorrem dentro da floresta.

— Estamos concentrados nesse esforço tecnológico no momento, e os resultados já começaram a surgir — diz André Lima.

Entre janeiro e junho deste ano, o Ibama emitiu 2.086 termos de embargos de área contra propriedades rurais na Amazônia, devido a evidências de desmatamento ilegal — um aumento de 111% em relação à média desse mesmo período nos últimos quatro anos. Ao todo, 206 mil hectares de área foram bloqueados, tornando-se proibida qualquer atividade produtiva nesses terrenos. Se isso ocorrer, o proprietário rural é autuado novamente.

Todo trabalho foi feito por agentes de forma remota, sem a necessidade de se deslocar a todas as áreas. Como boa parte dos cadastros rurais trazem informações de contato de seus proprietários, estes foram notificados sobre os embargos por meio eletrônico. Quando isso não é possível, o Ibama envia cartas pelos Correios e faz publicação do polígono bloqueado no Diário Oficial da União.

— A realidade é que a figura do protetor ambiental acaba se confundindo com a de todo servidor público que atua na proteção do meio ambiente. Todo servidor que, em seu ofício, trabalha pela proteção ambiental, tem essa missão — diz Jair Schmitt, analista ambiental do Ibama. — Cada uma dessas pessoas, em sua posição de trabalho, tem valor inestimável para a sociedade, porque atua na posição de garantir a qualidade de vida do planeta, seja para agora ou para o futuro.

Fonte: O Globo

Leia a notícia original em https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/noticia/2023/07/17/dia-do-protetor-de-florestas-a-jornada-de-riscos-e-devocao-de-quem-protege-a-natureza.ghtml

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