Governo encaminhará acordo de democracia ambiental ao Congresso
Após quatro anos paralisado em Brasília, o Acordo de Escazú voltou a tramitar. Assinado pelo Brasil e outros 23 países, o primeiro tratado ambiental da América Latina foi encaminhado do Itamaraty para a Casa Civil na última semana e aguarda a assinatura do presidente da República para ser enviado ao Congresso. Caso seja aprovado pelos congressistas, o acordo se torna lei nacional.
Segundo a previsão do Ministério do Meio Ambiente, o envio do texto ao Congresso deve ser feito na próxima semana, quando os países da América Latina e Caribe se reúnem na Argentina para a COP-2 do Acordo de Escazú, que negociará a governança do novo tratado.
A ministra Marina Silva deve participar da conferência, embora o Brasil ainda esteja na condição de observador das negociações, justamente por ainda não ter ratificado o acordo. Aberto a 33 países da região, o acordo foi assinado por 24 e ratificado por 15 deles.
Após receber a anuência de oito ministérios ligados ao tema, o Itamaraty encaminhou à Casa Civil uma exposição de motivos —assinada também pelos ministérios do Meio Ambiente, Povos Indígenas e Direitos Humanos— para a ratificação do acordo.
Último a enviar sua anuência, o Ministério da Agricultura estaria sob pressão de entidades do agronegócio contrárias aos compromissos do tratado, segundo pessoas que acompanham a tramitação do Acordo de Escazú.
Ainda durante a negociação do Acordo, representantes da pasta chegaram a se opor à menção ao princípio da precaução, mas a posição foi vencida, de acordo com observadores.
Entre os receios do setor, estaria a adaptação à obrigação de se informar sobre os riscos ambientais, o que implicaria a revisão da comunicação sobre riscos do uso de agrotóxicos. Em 2019, a Anvisa alterou o marco regulatório para agrotóxicos, afrouxando a classificação sobre riscos ligados aos produtos.
Candidato a sediar a COP-30 do Clima em 2025, o Brasil terá sua candidatura avaliada pelos países latino-americanos, já que a edição da conferência climática deve acontecer em um país da região naquele ano.
“A ratificação envia uma mensagem de que a ação ambiental é prioritária para o Brasil, que se coloca como liderança do tema na região”, avalia Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional Brasil.
“É coerente e esperado que o acordo seja priorizado pela base do governo no Congresso para que seja aprovado, como parte da reinserção do país no mundo pela via ambiental e também da reconstrução da governança ambiental”, aponta Morgado, citando que a gestão Bolsonaro agiu na direção contrário da prevista pelo Acordo de Escazú.
“Bolsonaro reduziu espaços de participação, atacou o Inpe, que produz informação ambiental, espalhou desinformação ambiental, tentou influenciar indevidamente órgãos de Justiça e criminalizar defensores ambientais e seus territórios”, exemplifica.
“Até semana que vem o acordo deve ser enviado ao Congresso. Queremos que a ida da ministra Marina à COP simbolize o nosso apoio para que o acordo seja ratificado”, afirmou o secretário-executivo adjunto do MMA, Mauro Pires, nesta quinta-feira (13), no evento O Brasil no Acordo de Escazú, organizado por ONGs socioambientais em Brasília.
O evento lançou o Movimento Escazú Brasil, que busca mobilizar a atenção dos brasileiros para o tratado, pioneiro em prever mecanismos específicos de proteção a defensores ambientais, justamente em uma região que lidera o ranking de assassinatos de ativistas e defensores.
No último ano, o Brasil ficou no topo do ranking dos países que mais matam defensores ambientais, de acordo com a Global Witness, seguido pela Colômbia. Entre os 10 países do topo do ranking, 7 são da América Latina.
Além de prever mecanismos para prevenir, investigar e punir ataques, ameaças ou intimidações contra defensores ambientais, o acordo busca garantir direitos de acesso em três esferas: informação, participação e justiça em questões ambientais.
Entre as inovações que o acordo prevê para a participação pública, está a obrigação de órgãos públicos darem devolutivas sobre propostas colhidas em uma audiência pública, de modo que o público passe a contar com uma justificativa sobre as escolhas feitas em projetos públicos. Outra medida prevê a antecipação das consultas públicas para o início da elaboração dos projetos, e não apenas no momento do licenciamento ambiental.
“O Acordo de Escazú foi construído com a participação do Brasil e usando leis brasileiras como referências, o que deve facilitar nossa adaptação jurídica”, afirma Joara Marchezini, coordenadora de projetos do Nupef e eleita entre as representantes do público no Acordo de Escazú.
Além de contar com a participação de representantes da sociedade civil, o acordo prevê um comitê de monitoramento do cumprimento do acordo, com sete membros. Um dos candidatos é o brasileiro Rubens Born.
Advogado e doutor em saúde pública e ambiental, ele contribuiu para a construção do texto do acordo durante as negociações, que permitiram a inserção de propostas da sociedade civil na plenária, caso tivessem o apoio de pelo menos um país negociador.
Segundo Born, o acordo garante medidas práticas para evitar a repetição de tragédias ambientais conhecidas pelos brasileiros.
Ele cita o caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips na fronteira do Amazonas com a Colômbia e o Peru, no último ano. “O artigo 11 do acordo prevê a cooperação entre órgãos que atuam na prevenção de ilícitos ambientais, o que é muito importante nas zonas fronteiriças”.
Ainda segundo Born, os casos dos rompimentos de barragens de mineração da Vale, que levaram à destruição de Mariana (MG) em 2015 e de Brumadinho (MG) em 2019, também podem deixar de se repetir por meio do acesso à informação ampla sobre os riscos ambientais, e não só sobre os impactos.
Fonte: Folha de São Paulo
Leia a notícia original em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/04/governo-encaminhara-acordo-de-democracia-ambiental-ao-congresso.shtml